Solidariedade e compaixão
Este fenômeno tem causas conhecidas e identificadas, havendo vários estudos sérios a respeito, que vão muito além do conflito ideológico entre o direito que têm as populações de rua de nela permanecer; e o direito coletivo de não conviver com esta situação, pregando uns o direito de permanência em nome das liberdades individuais, e outros pela remoção coercitiva, em prol do interesse público prevalente.
E neste universo de reflexão e embate, vamos enxugando o gelo, tornando cada vez mais distante soluções simples e eficazes, que já constituem experiências bem sucedidas em outras bandas do planeta.
No Rio de Janeiro, o número de habitantes nas ruas aumentou muito com a crise que assola o Estado. Muitas pessoas perderam o emprego e foram despejadas de suas casas. Outros tantos não têm como custear os deslocamentos diários de suas distantes moradias para os centros urbanos onde exercem alguma atividade, havendo também aqueles que, em regra menores, fogem de casa, e dos problemas que nela vivem, por graves conflitos envolvendo suas famílias desestruturadas, associados à violência doméstica, alcoolismo e uso de drogas. Na estatística da exclusão, acrescente-se considerável número de banidos de suas comunidades por disputas de poder e autoridade entre os senhores do tráfico e milícias, sendo as ruas o exílio a que são relegados.
Levantamento feito pela secretaria municipal de assistência social e direitos humanos (SMDS) da prefeitura do município do Rio de Janeiro em 2018, trouxe dados preocupantes, uma vez que a política atual não resolveu e jamais resolverá este problema. Foram ouvidos 3715 moradores em situação de rua.
Os dados coletados contemplam informações sobre escolaridade, demografia, vivência de rua ou institucional, trabalho e renda, acesso à rede de saúde e acesso à rede socioassistencial.
Dos 3715 moradores em situação de rua ouvidos neste levantamento, 81% são do sexo masculino e 19% feminino.
Também foi possível levantar que 61% destas pessoas que vivem nas ruas nasceram no município do Rio de Janeiro. Ou seja, diferente do que acontecia no século passado, quando este número era proveniente da migração interna, atualmente esse contingente das ruas é do próprio Rio de Janeiro.
Assim como acontece em vários lugares do mundo, o conflito familiar ou o fato da família já morar na rua aparece como um dos principais motivos que levaram à situação de rua (40,41%). Logo em seguida, aparecem o uso abusivo de drogas e álcool (26,56%), e o desemprego (16,04%). As cracolândias vão se convertendo em centros de convivências comunitária desta gente, e capital da nação excluída, repercutindo o problema para outra esfera – a segurança pública.
Tratando pessoas como se fossem lixo
A quantidade crescente da população em situação de rua é um tema de reclamação constante por parte da sociedade. Muitos reclamam sem saber o motivo que levou o morador de rua a este tipo de vida, tratando pessoas como se fossem lixo, achando que a simples “remoção” de local, através do acolhimento, é a solução do problema. Não é!
Atualmente, a Cidade do Rio de Janeiro tem unidades de acolhimento, que se converteram em depósitos de seres indesejáveis, e que, além de poucas, não empreendem quaisquer ações para a reinserção social.
Em alguns países, organizações não governamentais estão se mobilizando para implementação de alternativas para o assunto.
Terrenos estão sendo comprados para a construção de vilas, com pequenas habitações, compreendendo infraestrutura e áreas comuns com cozinha, lavanderia, atividades de lazer e desportiva, mas fundamentalmente, a organização e orientação de vocações e habilidades produtivas, para que, pelo próprio trabalho, obtenham seus sustentos. Diferente de programas assistencialistas que geram uma clientela eleitoral a custa do dinheiro público e acalentam a hipocrisia social, o trabalho é instrumento de ressociliazação, estruturado através de cooperativas vinculadas a cada núcleo implantado, com a assistência de técnicos nas respectivas áreas de produção – artesão, agrícolas, costura etc.
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E vale ressaltar que estas vilas não podem ser comparadas com projetos como as residências terapêuticas, as quais vieram para substituir os manicômios, mas sim com um modelo “housing first”, ou seja, a primeira coisa a ser feita é não deixar que o indivíduo durma na rua.
Resgatar a dignidade perdida
A proposta é resgatar a dignidade perdida desta população, orientando na busca de renda própria, e acompanhamento médico-psicológico para recuperação dos dependentes químicos e a auto-estima, mas, sobretudo, reintegrar estas pessoas ao convívio social e de suas famílias.
Creio que esta proposta de construção de vilas que despertem nos moradores de rua uma sensação de pertencimento e valor, é a solução para lhes dar espaço de convivência, integração e dignidade humana, substituindo a máquina de enxugar gelo por outra de “reciclagem social”.
Para que este modelo dê certo e consiga reintegrar estes cidadãos à sociedade e a família, é fundamental a construção de políticas integradas com a área de educação, saúde e geração de renda.
No caso do Rio de Janeiro, temos diversas áreas não aproveitadas como deveriam, e sem finalidade alguma, que poderiam ser destinadas à implantação de vilas comunitárias, produtivas e auto-suficientes.
Não podemos andar pelas ruas e, ao passar por pessoas dormindo ao relento, virar a cara ou fingir que não notamos. Precisamos buscar uma solução, seja pressionando o poder público, ou participando de forma mais ativa para garantir à essas pessoas um pouco de dignidade e reintegrá-las à sociedade e às suas famílias.
Ainda estamos engatinhando no Brasil quando o assunto é voluntariado, e uma maior participação da sociedade civil nas decisões que impactam o dia-a-dia de nossas cidades. Está na hora de mudarmos isso. Vamos reagir! Vamos trabalhar por um Brasil mais solidário e digno para todos.